9.12.06

Ricky Martin - 2ª Parte - Entrevista





Ocean Drive Español – Tem oportunidade de disfrutá-la (a casa)?
RM – Claro. Geralmente, levanto-me cedo, vou a Starbucks… Lá me conhecem e me dão o jornal, meu café e meu cinnamon roll. São minha família, vou trazê-los um dia aqui para fazer barbecue. Depois vou para a academia e dependendo de como está o dia, vou logo ao estúdio... Continuo praticando capoeira (arte marcial do Brasil)... Não foi uma febre, segue aí. Não treino seis horas diárias como antes. Vou para a aula e as teias de aranha saem rápido das articulações.

Ironia da vida. Quando pequeno, Ricky morria de vontade de ter um cachorrinho, pedia constantemente a seu pai, mas por questões de espaço nunca ganhou. Hoje, em sua casa em Miami Beach pode dar-se o luxo de ter não um, mas cinco, que são tão amorosos e senhores como o cantor.

RM – Tenho um monólogo de cachorros. Comprei um quando tive minha primeira casa, um Golden Retriever. Logo comentei com uma amiga do Brasil que queria uma companheira para meu cachorro. No dia seguinte ela chegou com um Chihuahua! Eu me referia uma companheira como “namorada”... Não a um Chihuahua. Logo depois adotei uma que encontrei na rua e o Chihuahua com a da rua tiverem outro... Ao Golden encontrei namorada e fiquei com dois da ninhada, um para mim e outro que era para minha mãe e nunca o mandei. Agora há espaço, às vezes penso que não, porém há sim.
ODE – Deve ser impressionante quando convida aos monges budistas á sua casa!
RM – Aqui mesmo, nesta sala, rodeiam a figura de Buda e começam a cantar.
A Mari, que é como minha mãe, uma vez a vi e estava chorando na cozinha. Disse-me, “impacta, impacta-me. É muito forte”.

ODE
– Te atrai muito o budismo...
RM – Gosto muito da filosofia budista, não quer dizer que sou da religião. É que se sou algo, não posso ser nada mais. Limitam-te em muitos aspectos, eu não vou seguir essas marchas. Acredito que todo mundo tem direito de decidir o que o faz feliz, eu não sou ninguém para dizer o que está bom e muito menos, quando falamos de fé. Inclusive, segundo os ensinamentos do budismo, o pior que se pode fazer a sua karma é dizer a alguém que está mal em sua fé.

ODE – O que te inspira cada uma das casas que tem?
RM - Meu apartamento em Nova York, criatividade. Miami, paz. Porto Rico é meu lar, minha gente… É abrir a porta nas manhãs e dizer, “ah, cheira a Porto Rico”. A de Los Angeles já vendi, me ofereceram muita grana! E disse, aí tem a chave. Felicidades, eu venho e compro outra.

ODE
– É que te aprisiona o Real Estate…
RM – Encanta-me, gostaria de dedicar-me a isso.
ODE – Uma das críticas que te fizeram nos últimos anos, é que muitos não entendem como está em sua busca de manter sua vida o mais simples possível e não deixar de ser uma estrela.
RM – Esses são limites que põem a cada coisa. Se durmo em um hotel durante as turnês, viajo de avião privado, são coisas que a carreira exige, porque não há outra forma para estar em três cidades em um mesmo dia... Tenho a alegria de ver as coisas lindas e a resposta da gente ao que se pode fazer. Tenho meus dias, sou um ser humano como todos... Em ocasiões penso, “as pessoas serão anormais, o não me expliquei bem” e percebe-se de outra maneira. Às vezes tenho bem claro que me expliquei, mas a verdade é que não quiseram entender.

ODE – Quando lançou a música Asignatura Pendiente em Almas del Silencio e que voltou a pôr no disco MTV Unplugged que sai este mês, interpretou-se que era uma queixa sua à vida.
RM – Asignatura Pendiente é uma das canções mais fortes da minha vida. Porque diz “Mi boricua, mi india, mi amor... Ah! Ricky Martin está buscando uma índia para casar-se…” Estou falando da Índia, o país, meditação… Do que vou me queixar? Eu não posso queixar-me de nada! Ninguém me obrigou a ser artista, meus pais não me disseram: “tem que fazer”. Eles só disseram “se quer, então vá buscar as gravadoras”. Às vezes eu chorava pelo telefone e dizia-lhes, “tenho saudade, quero ir para casa”... Imediatamente meu pai dizia-me, “agora mesmo chamo os advogados, cancelamos o contrato, vemos como podemos sair disso e você vem conosco”... Mas eu saltava de uma vez, “ah, não, não, espera, já melhorarei, amanhã será outro dia”. São emoções do momento.

ODE – Foi uma mudança de vida muito brusca para qualquer criança.
RM – Minha casa ficava ao lado do meu colégio e ao lado estava o parque. A árvore na qual eu passava a vida pendurado como um macaco ficava em frente a minha janela, esse era meu mundo. De um dia para outro, estava viajando sem meus pais, em um boeing 737, não tínhamos uma suíte de um hotel, mas sim um andar de um hotel, com game rooms, nosso chofer, enfermeiro, professor privado... Em um momento houve ameaça de seqüestro e só no Brasil tínhamos uma equipe de trinta guarda-costas. Essa foi minha realidade enquanto crescia, muito diferente de muita gente.
ODE – Sem um preço?
RM - Talvez em um momento determinado haveria gostado de ir ao parque e estar no balanço sem guarda-costas. Mas são opções de vida, como a de qualquer ser humano, que vive uma coisa ou outra, com tudo o que significa, ganhar e perder.

ODE - Não há dupla leitura?
RM – O que eu disse sobre essa época ou sobre recuperar essa criança, como diz a canção, por querer tornar-me um homem de negócios, quero recuperá-lo espiritualmente falando. É a história de todo mundo que se endurece com as bofetadas que a vida dá. Como era simples a vida, como era simples a mente quando éramos crianças...

ODE – Atormenta-te que sempre queiram encontrar algo escondido atrás de suas palavras, de suas ações?
RM – Dói-me, mas aprendi a não deixar que me ultrapassem. Como vejo em Deus, é um amigo, ou amiga, é uma energia. Essa energia nunca vai pôr-me em uma posição que não possa manejar. O que não disseram de alguém? Muitas vezes o interpreto como essa pessoa que diz que tem algo em sua vida pessoal que o desagrada e quer ultrapassar-me. Podem dizer de mim o que der vontade, mas o que não tolero é que se metam com o trabalho com as crianças. Não podem jogar com isso, é parte de minha natureza. Não vou permitir que o trabalho da fundação veja-se afetado.

Definitivamente, entramos em um terreno de princípios que vão mais além do que a maioria das pessoas conhece ou alcança sequer a vislumbrar. Ninguém melhor para o reconhecimento que o concede este mês a Academia Discográfica Latina por seu trabalho humanitário como Embaixador da Boa Vontade da UNICEF, com sua própria Fundação e o projeto People For Children. Os que rodeiam Ricky Martin assombram-se pela paixão que sente pela luta contra a exploração infantil em todas suas formas. Os dias prévios a sua histórica apresentação em frente ao Congresso dos Estados Unidos foram de uma preparação intensa. Queria interar-se por completo de todos os detalhes, das cifras alarmantes, do que faz cada país, e fornecer soluções. Mudou o cenário pelo pódio e o impacto deu a volta ao mundo, chegando a despertar comentários de que a posição política poderia ser o próximo passo do boricua.
ODE – Foi impressionante como sua apresentação em frente ao Congresso correu o mundo.
RM – Nem nós imaginávamos que causaria tanto impacto. A idéia é que isso promova mudanças. Há muito a fazer. Não se pode tratar as vítimas da prostituição infantil como criminosos. A sociedade nos ensinou a ver essa parte como o lado escuro. Nenhuma mulher quando é pequena pensa “quando crescer quero ser prostituta”. Elas simplesmente foram vítimas de um traficante que lhes disse “vão ganhar muito dinheiro se fizerem isso”, ou “vão ganhar dinheiro como modelo se vierem comigo”, e logo se vêem envoltas nisso. Poderíamos estar falando horas disso e agora mais. I’m a fighter! Estive toda a semana reunido com ativistas para interar-me mais do tema.

ODE
– Não teme que sua vida esteja ameaçada? Há muitos interesses em jogo no tráfico humano, ainda mais de crianças.
RM - Não há pior ameaça do que viver sabendo que existe algo tão escuro e não fazer nada a respeito. Se acontecer-me algo, já sabem de onde vem. Eu amo esta vida e sei que se me puseram nisto, vou contar com a ajuda que necessito.

ODE
– Alguns apostam que fará uma carreira política...
RM – Muita gente perguntou-me, sabe. Nunca pode dizer “dessa água não vou beber”, mas conheço muita gente no mundo da filantropia que não entrou na política. Alguém tem que trabalhar com políticos, porque faz falta criar leis. Mas acredito que desde aqui, em nome das massas, posso fazer um trabalho melhor. Eu não sei o que acontecerá amanhã. Hoje, sentado em minha sala, digo que não.

ODE – Ao menos ficava muito bem o look de político.
RM – Alguns congressistas disseram-me, “Ricky você ficaria muito bem com o look conservador, o problema é que a pantallita (o brinco) não ficou bem”. Mas presta atenção, ganhei de uma das crianças da Índia, por isso eu pus nesse momento, para lembrar-me que estava ali comigo. Não era de rebeldia nem muito menos.
ODE – As pessoas que trabalham contigo se assustam como você contagiou com essa iniciativa.
RM - Pude afetar-lhes porque tive as experiências. Comecei essa cruzada, resgatei as crianças da Índia, mas hoje já as pessoas de minha equipe têm a mesma paixão.

ODE – Viu suas crianças da Índia?
RM – Claro, a semana passada estive na Índia, visitando-as. São charmosas, estão vivendo neste lar, onde passaram da rua a ser meninas com infância, com oportunidades. Imagina, já são bilíngües!

ODE – Como são essas viagens à Índia?
RM – Vou de mochila, ninguém de minha equipe vem comigo porque começa de imediato, “a maleta, o equipamento, carregamos?”. Táxi? Que táxi! Se ali estamos falando da bicicleta, o rickshaw, e se não, não faço a viagem. São os paralelos que exijo.

ODE – Que detalhe destas meninas ficou guardado?
RM – Tantos... A maioria não tem registro de nascimento, sabem mais ou menos sua idade. E quando quisemos registrá-las, perguntaram a uma delas que data de nascimento queria pôr, e respondeu: “24 de dezembro”, como eu.

ODE – Em suas turnês, não escapa nenhum aniversário, e assim seja, baixando de um cenário, arma uns reinventos nos quais se converte na alma da festa.
RM – Nos detalhes se faz a diferença, sinto-me bem fazendo. Não é que saiba todos os aniversários, sempre há alguém que me lembra, “oh, amanhã é o aniversário do diretor musical”. Já sabe, tem que buscar o bolo, cantamos os “parabéns” e depois torta na cara. O melhor é que eu faço aniversário dia 24 de dezembro e nunca estamos em turnê, assim não me acontece nada.

ODE – Dizem que é o chefe ideal e que é uma delícia trabalhar contigo.
RM – Estou em um ponto da minha vida que se não desfruto, não faço mais. Em um momento fazia coisas porque pensava que assim tinha que ser... para ser aceitado. São muitos meses de turnê, passo com minha banda mais tempo do que com minha família. Aí está a chave do êxito, não reclamo como chefe. Não guardo rancor. Acredito que a dinâmica que criamos funciona. De Emilio Estefan aprendi algo. Quando comecei a trabalhar com a empresa disse-me, “quando você começa a trabalhar com Estefan Enterprises, você entra na família”.

ODE – Você é de afetos e relações duradouras?
RM – Com Joselo (Vega) tenho vinte anos trabalhando... Com Maria (a governanta) nove anos. Ela é o anjo desta casa. Adoro aprender, ela ensina-me a cozinhar. O que acontece é que geralmente quando desço a comida já está feita.

ODE – A estas alturas de sua vida, possui alguma obsessão?
RM – É muita carga ter uma obsessão. Trato de praticar o desapego com tudo o que seja autoderrotista. Faço as coisas que, como pessoa, sinto que estão bem. É sobre a única coisa que tenho controle. Somente posso controlar minhas ações. O medo nasce pela obsessão de controlar a ação de alguém, o clima, o que seja... e isso, causa dano. A única coisa com que posso negociar é com as decisões que eu tomo nesta vida e com os resultados, que espero que não afetem negativamente. Porque juro que as tomo no momento em que o silêncio me diz, “agora pode fazer” e não está mal.

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